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O Eu e o Empreendedorismo de palco.

Actualizado: 29 jul 2020

Publicado originalmente no medium em marƧo de 2018 em: https://medium.com/@raphamarks3/o-eu-e-o-empreendedorismo-de-palco-537ac23719c1


Recentemente vi no Linkedin de um "empreendedor" a imagem do Paulo Lemann com o quote: ā€œNunca conheci um pessimista bem-sucedidoā€, e logo me veio a cabeƧa nomes como Nietzche, Kafka, Van Gogh, DostoiĆ©vski ou o prĆ³prio Bukowiski. NĆ£o que suas personalidades complexas possam realmente ser sintetizadas em uma Ćŗnica constante taxativa, mas com certeza eram pessoas que fugiam dessa lĆ³gica do empreendedorismo de palco, desse positivismo empreendedor inflado por personalidades ā€œmodeloā€.

Modelos de empreendedores a parte, Ć© interessante ter uma visĆ£o mais crĆ­tica sob essa mentalidade empreendedora que pensa fora da caixa. Sempre disse que toda vez que ouƧo o velho ā€œthink out of the boxā€, eu imagino a pessoa dentro de uma caixa, comemorando por ter acabado de sair de uma outra caixa, igual bonequinhas russas em um looping infinito. Isso porque a ā€œgeraĆ§Ć£o empreendedoraā€ atual nĆ£o Ć© capaz de entender que o conhecimento humano se dĆ” em diversas camadas, por mais que nos libertemos dos ā€œmoldesā€ de uma sempre caĆ­mos em outra.

A camada atual dos empreendedores de palco tem requintes tibetanos, com tempero de uma pseudo culinĆ”ria hindu budista que fala de espiritualidade, mas contempla a vida em uma tela de computador. Talvez por buscarem o caminho de grandes mentes visionĆ”rias que possuĆ­am uma pegada zen, representadas pelo icĆ“nico Steve Jobs. NĆ£o que haja algo de errado com isso, mas convenhamos que se empreendedorismo tem a ver com uma inovaĆ§Ć£o de processos, com a implementaĆ§Ć£o de novas ideiasā€¦EntĆ£o seguir um caminho jĆ” trilhado nĆ£o Ć© exatamente ser empreendedor, correto?

ā€œAh mas nĆ£o dĆ” pra reinventar a rodaā€. Realmente nĆ£o dĆ”, mas dĆ” para pensar em um pneu, dĆ” para pensar em uma bicicleta, em um carro que voaā€¦ O que nĆ£o dĆ” Ć© para ficar seguindo uma cartilha TED, ou MEJ e se sentindo empreendedor sem ao menos ter arriscado uma vez na vida. Empreender nĆ£o tem nada haver com fazer parte de uma empresa jr, isso Ć© ser funcionĆ”rio, Ć© corporativismo. E o maior sintoma disso Ć© ver que os jovens que fazem parte de EJ se recusam a trabalhar nas fĆ©rias universitĆ”rias, ou entĆ£o sempre atrasam uma tarefinha na semana de provas. O risco Ć© zero.

Empreender se trata de inovar, um processo que envolve uma fenda de criaĆ§Ć£o que nada mais Ć© do que uma ruptura com o Status quo. Quando profissionais vĆ£o lanƧar um novo produto, faz parte do Design Thinking entender e elaborar meios de inserĆ§Ć£o desse produto no mercado, descobrir como melhorar sua inserĆ§Ć£o na sociedade, sua aceitaĆ§Ć£o e usabilidade. Ferramentas como o Consumer Path podem fazer parte de um estudo maior na criaĆ§Ć£o de uma malha de cicatrizaĆ§Ć£o, que irĆ£o ajudar o produto a se posicionar bem no mercado. Microsoft lanƧou um Tablet em 2005, mas muito provavelmente vocĆŖ acha que a Apple criou a tecnologia, sĆ³ porque na empresa da maĆ§Ć£, a malha de cicatrizaĆ§Ć£o contou com ipods e iphones, que garantiram o sucesso final, familiarizando o usuĆ”rio com a tecnologia muito antes dela ser lanƧada.

Se pensados como uma malha de cicatrizaĆ§Ć£o de uma inovaĆ§Ć£o da sociedade como um todo, o Movimento Empresa Junior e o TED sĆ£o entidades fascinantes, que atuam de modo a contribuir com uma sociedade mais engajada e criativa. Dito isso, Ć© lastimĆ”vel que tais canais tenham sido pilhados por mero espectadores, que repetem um discurso em consonĆ¢ncia, como um mantra, jovens que leram Orwell, mas que vivem na sociedade de Huxley, anestesiados pelo entretenimento de seu smartphones, ligados Ć  informaĆ§Ć£o e Ć  inovaĆ§Ć£o, e desligados da realidade de um mundo onde 53% da populaĆ§Ć£o nĆ£o tem acesso a internet, e 13% nĆ£o tem sequer o que comer no almoƧo.




Mas essa anestesia faz parte da cultura de uma geraĆ§Ć£o que nasceu pronta, e que precisa dessa alienaĆ§Ć£o para conseguir viver em sua prĆ³pria realidade, onde estĆ£o esperando que o mundo os reconheƧa, aceite sua genialidade e sua mente visionĆ”ria ā€” o que me lembra de um artigo fantĆ”stico da Eliana Brum sobre o tema, que vocĆŖ pode ver aqui. Uma geraĆ§Ć£o que deseja descobrir o prĆ³ximo Nirvana, mas se contenta com as apresentaƧƵes do The Voice.

Igualmente sintomĆ”tico nessa geraĆ§Ć£o Ć© seu ideal de sucesso profissional, espelhado em uma carreira recheada por perĆ­odos sabĆ”ticos de fĆ©rias em ButĆ£o, com um contra-cheque bem gordo ao final de cada mĆŖs. Uma mistura utopia com um pouco de elitismo torpe. A idĆ©ia de ā€œdar certoā€ na vida estĆ” associada a perĆ­odos longos de relaxamento e uma situaĆ§Ć£o econĆ“mica muita mais que ā€œfavorĆ”velā€.




A geraĆ§Ć£o de empreendedorismo de palco vende, e vende muito bem. Fala de sustentabilidade, de polĆ­tica, de engajamento social, tudo isso sem ter ao menos aberto um livro de filosofia. Ficam no raso, na superfĆ­cie, com os autores cool. Se deleitam em horas de debates sobre esquerda e direita, fascismo e socialismo, mas nĆ£o leram sequer uma linha de Trotsky, de Marx, de Adam Smith, de Weber ou Rousseau. SĆ£o incapazes de entender que biografias renomadas foram talhadas sobre uma vasta literatura que as influenciaram. Querem ser o prĆ³ximo Bill Gates, mas nĆ£o querem ler ā€œThe Art of computer programmingā€ de Donald Knuth. A verdade Ć© que nunca se leu tanto no mundo, e nunca se leu tĆ£o mal, ou melhor nunca se leu tanto sobre tĆ£o pouco.

De fato sempre achei engraƧado quando amigos me perguntavam quais livros de empreendedorismo eu lia, e ficavam surpresos que em minhas listas nĆ£o constavam obras como ā€œO monge e o Executivoā€ ou ā€œas 48 leis do poderā€. Nada contra, nunca li esses livros e nĆ£o os conheƧo, mas sempre achei engraƧado a cara de espanto ao descobrirem que eu preferi ler uma ColeĆ§Ć£o Harvard de AdministraĆ§Ć£o ā€” aquela velinha da nova cultura com capa azul que vocĆŖ vĆŖ pelos sebos a fora ā€” do que gastar meu tempo com algo mais ā€œmodernoā€. Mas eu sou apenas um jovem Padawan, que preferiu ler ā€œO discurso do mĆ©todoā€ do que ā€œQuem mexeu no meu queijoā€.

NĆ£o se trata de ser um modelo ou seguir um modelo, se trata do simples fato de que muito provavelmente: nĆ£o hĆ” modelo. Bukowiski lanƧou seu primeiro livro aos 49 anos ā€” depois de trabalhar tediosos anos dentro dos Correios ā€” encontrou inspiraĆ§Ć£o no seu maior tĆ©dio e seu primeiro romance se tornou um sucesso. Andrea Bocelli tocava piano em bares atĆ© os 33 anos, Ray Kroc vendia mĆ”quinas de fazer milk shake aos 52, atĆ© conhecer os criadores da MacDonalds e transforma-la na maior franquia do mundo. Nenhuma dessas personalidades Ć© vista como um modelo de empreendedorismo, prefere-se coloca-las nas bolinhas de ā€œgĆŖniosā€, porque esses podem experimentar o fracasso. Mas empreendedores nĆ£o. Empreendedores possuem apenas cases de sucesso e cases de aprendizado, eles pensam positivo, sĆ£o sempre otimista, nunca tiveram dĆŗvida sobre suas ideias, nunca questionaram, enchiam o peito e seguiam em frente.











Na realidade a frase anterior descreve melhor um soldado do que um empreendedor. Muitos querem criar o prĆ³ximo grande aplicativo, o prĆ³ximo facebook, o novo ipad, querem ser o prĆ³ximo Elon Musk, mas nĆ£o estĆ£o dispostos a encarar horas de programaĆ§Ć£o pesada, a falĆŖncia da Next, o isolamento doentio e o temperamento explosivo do fundador da apple, tĆ£o pouco querem ser o jovem nerd, sem dinheiro e sem garotas, que largou a faculdade para se tornar o homem mais rico do mundo vendendo soft micros, ou microsoft como vocĆŖ conhece.

A verdade Ć© que nĆ£o existe um caminho, uma regra de ouro vĆ”lida que indique a trilha do sucesso, da felicidade. Mas se o budismo tibetano pode te ensinar algo, que seja saber que o caminho da felicidade passa primeiro pela dor, pelo sofrimento. E se empreender Ć© criar, e criar envolve falhas, prototipagem, perdas, erros e acertos, entĆ£o isto tambĆ©m envolve o auto-conhecimento. E se auto conhecer Ć© aceitar sua natureza, talvez vocĆŖ seja um pessimista como DostoiĆ©vski, depressivo como Van Gogh, ou um cĆ­nico como Bukowiski, ou vocĆŖ acredite que ā€œsĆ³ os paranĆ³icos sobrevivemā€ como Andy Groove da intel, ou talvez vocĆŖ seja mesmo um visionĆ”rio com uma espiritualidade indiana como Pete Townshend e Jobs. Mas que vocĆŖ nĆ£o seja nunca a projeĆ§Ć£o de um sonho que te venderam, de um modelo que vocĆŖ comprou sĆ³ porque gostou da capa.

Mas se ainda assim vocĆŖ procura um caminho para o sucesso, talvez o Bukowiski tenha algumas dicas pra vocĆŖ...


https://www.youtube.com/watch?v=ZN1Tw8XM1LY

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